Como qualquer benfiquista, com dois
dedos de testa e uma coluna que não seja demasiadamente flexível, deixei há algumas semanas
de comprar o Semanário Expresso. Consumir é também um ato politico,
uma escolha, uma decisão que não envolve só o produto comprado e o valor que
damos por ele, mas também a sua representação ética e social.
Assim, perante os ataques desmesurados ao Benfica, quase diários se considerarmos também o site, e a defesa cega e propagandista
ao presidente do Sporting CP, que transbordaram
com estrondo para o canal televisivo do mesmo grupo, outra atitude não se seria
de esperar de quem se considera Benfica.
O que vale é que quebrar este hábito
interrupto de quase 30 anos está a custar menos do que esperava, tal era indigência
de jornalística que o Expresso vinha exibindo ultimamente. A este propósito, até nisto ser Benfica é uma
sorte. Por exemplo, é uma fortuna sermos patrocinados por uma Sagres e não por
aquele refrigerante com álcool, que patrocina tudo o que é concertos e festas
de estudantes, obrigando pela exclusividade o seu consumo em massa.
De qualquer forma, sempre me fez
alguma confusão este recente fundamentalismo lagarto de uma publicação que era,
e devia ter continuado a ser, uma Instituição. Considero que o facto do filho do
dono grupo, e atual administrador, ser fanático pela equipa do Campo Grande,
não é suficiente para tal inflexão. Um jornal deve ter uma estrutura
editorial complexa e seria inédito a paixão futebolística da administração intervir
tão vigorosamente na sua linha de atuação.
Hoje ao comprar o Público,
e porque ainda ia andar uns bons metros, pedi um saco ao jornaleiro para que o
transporte fosse mais confortável, zeloso enfiou o diário num saco do Expresso
que tinha por ali. Quando parei num café próximo, reparei surpreendido que o
famoso saco do Expresso já não é patrocinado por um banco, por uma seguradora
ou um operador de televisão. Quem o patrocina agora, quem ocupa o que é talvez
o mais privilegiado espaço publicitário da imprensa portuguesa, é o abastado Sporting
Clube de Portugal.
Não sei se foi um caso pontual ou
se em outras edições a situação se repetiu. O que tenho a certeza é que aquele
espaço não é barato. Ainda mais que a publicidade não diz respeito a uma campanha
de angariação de sócios ou bilhetes de época. É uma campanha dedicada a um avançado
que marcava muitos golos na época em que o SCP se confundia tanto com o Regime
que tinha a alcunha de Direção Geral dos Desportos. Um período de grandes goleadas internas, mas ao
mesmo tempo de resultados terceiro-mundistas ao nível da seleção, o que diz
muito da qualidade conjuntural do jogador em causa e dos outros violinos.
O que a campanha procura não é
o retorno financeiro consubstanciado em novos sócios ou venda
de mais bilhetes. O que se pretende é algo mais difícil de conseguir e
é procurado incessantemente, mas com insucesso, por aqueles lados, desde que um neto foi pedir ao avô para fazer um clube, até à persistente luta para se conseguir
campeonatos no passado, aos quatro de uma vez, de atacado.
É uma campanha que nos tenta
vender "Glória", que sendo impossível de conquistar no presente ou no futuro,
resta ser alcançada onde a falta de memoria dos homens faz adensar o nevoeiro.
Podem não ser conquistas de carne e osso, com lágrimas e suor, perante adversários
valorosos e de grande calibre, mas desde que sirvam para colocar em faixas no estádio e nos rodapés de comunicados, tudo impecável.
Uma "Glória" de plástico, como o saco onde que se guardam os jornais, como o
jornalismo que usa as palavras e as ideias para vender espaço publicitário.