Há uns tipos no Benfica que são chamados de “profissionais”.
Não jogam à bola, não correm, não saltam, nem encestam. Esses tipos usam
casacos escuros, camisas brancas sem gravada, como dita a moda. Andam sempre
apressados nos corredores do estádio, ar de gente relevante, telemóvel (já nem
se chama isto) na mão, com horários estabelecidos e reuniões importantes marcadas.
Estes tipos são do Marketing, do Merchandising, da Comunicação,
Gestores de Produto ou outro nome qualquer que aprenderam em universidades onde
estiveram inscritos os Relvas desta vida.
Enquanto os eleitos pelos sócios andam em jantares, festas e programas
televisivos, são eles que mandam nas pequenas coisas. Em muitas pequenas
coisas. Acontece que algumas não são tão pequenas assim.
Esta gente tem um Ferrari na mão e nem um mata-velhos sabe
conduzir. Eles gerem a marca Benfica cabulando os livros que fotocopiaram durante
os anos da universidade.
Têm um Real Madrid no Estádio da Luz, na primeira aparição da
equipa do Benfica aos sócios e conseguem a proeza de não encher o estádio. Aliás,
conseguiram pouco mais que meia casa graças a muitas borlas distribuídas por
várias quintas. Borlas que são facadas em quem com esforço contribui com
quotas, redpass e bilhetes durante o ano inteiro.
O que se esperava com bilhetes a 20 e 30 euros para quem
acabou dar quase duzentos pelo redpass? Que expectativas tinham em colocar o jogo,
num dia de semana, às 19 horas? Nas oito horas de trabalho diárias, não houve
nenhuma alminha de entre estes vários “profissionais”, que recebem mensalmente 2,
3 ou mesmo 4 mil euros, que tivesse descoberto que o jogo estava marcado para o
mesmo dia da abertura dos Jogos Olímpicos? Ou foi a mesma capacidade negocial,
que levou à entrega de mais de 1 milhão de euros ao Guimarães por um jogador
que nunca chegou, que esteve subjacente à venda dos direitos de transmissão do
jogo?
Não se trata apenas de receitas financeiras. O que está em
causa é que o Benfica faz o seu único jogo em casa de preparação com o Real
Madrid e tem pouco mais de meia casa. Que
diferença seria se tivessem bilhetes a metade do preço e o estádio cheio, ambiente
infernal, construindo uma onda de entusiasmo fundamental para o sucesso financeiro
e desportivo?
Quando criticamos o presidente por empestar o clube de
não-benfiquistas é disto que falamos. De gente que não percebe que o sócio
médio do Benfica tem dificuldade em dar 20 euros por um bilhete no mesmo mês em
que comprou o redpass. Que uma família de quatro pessoas, mesmo sendo emigrantes,
já não dá com facilidade 200 euros por quatro bilhetes. Que apesar dos níveis de
desemprego, há ainda pessoas que trabalham e que têm dificuldade em chegar às
19 horas ao estádio.
Para nós, que chegámos ao estádio oito horas antes do Benfica-Universidade
Craiova, que passámos horas nas rampas de acesso ao antigo terceiro anel, que
fomos apedrejados em Guimarães várias vezes, que pagamos para apoiar o Benfica
em autênticos quintais, é fácil perceber a alma benfiquista. Esta alma não vem
nos livros, por melhor que seja a universidade.
Luís Filipe Vieira, pelas suas origens, já devia ter percebido
isso. Se há três meses me dissessem que iam estar apenas 35 mil pessoas contra
o Real Madrid eu não acreditava.
JL