Corria o ano de 1977 e Pinto da Costa era um mero aprendiz
de feiticeiro.
Pedroto era então o mestre que lhe ensinava tudo sobre
árbitros, coacção, guerras psicológicas, batotice.
Era o tempo dos proclamados “roubos de igreja” e em lume
brando foi começado a cozinhar o ódio Norte-Sul.
Assim mesmo, porque a ordem não é arbitrária.
Garrido era o Proença de então. Curiosamente, dizia-se
sportinguista, tal como Proença apregoa aos ventos o seu benfiquismo.
Sabe-se onde Garrido foi parar, veremos um dia onde Proença
irá aterrar.
Tudo isto para dizer que me recordo bem de assistir ao
nascimento da Besta e do que se seguiu: incompetentes uns, corruptos e vendidos
outros, maus árbitros todos.
Uma dúzia bem aviada de nomes é claramente insuficiente
para evocar tanta podridão, tanta batota, tanto nojo acumulado e tanta verdade
desportiva atropelada e escarnecida em mais de 30 anos: o omnipresente Garrido,
Mário Luís, Fortunato Azevedo, Francisco Silva, Carlos Calheiros, Donato Ramos,
José Pratas, Lucilio Batista, Vítor Pereira, Olegário Benquerença, Proença,
Xistra, Artur Soares Dias, Cosme Machado.
Com algum esforço de pesquisa, chegaríamos às dezenas mas
o post assemelhar-se-ia a uma lista telefónica das antigas e não é esse o
objectivo.
A história recente do futebol português dos últimos 30
anos é feita desta e doutra gente: canalhas, escroques, sabujos e um sortido de
mafiosos que faria inveja ao bas-fond napolitano.
Tudo isto para dizer que não me parece justo que a propósito
do jogo de domingo na Luz, alguns de nós tenhamos caído na tentação de tudo misturar,
falando da arbitragem de João Ferreira como se de trabalhinho encomendado de um
qualquer Proença ou Fortunato Azevedo se tratasse.
Nada mais errado, pelo menos na minha opinião.
É evidente que nunca deveríamos ter permitido que o Porto
se vitimizasse, mas os erros de estratégia comunicacional do Benfica são tão
antigos como o domínio de Pinto da Costa sobre o futebol português.
Por cada suposto erro apontado pelos lacaios de serviço em
prejuízo do Porto, teríamos também nós 2 ou 3 a apontar: a forma como o maçã-podre
distribuiu pancada durante todo o jogo foi sintomática; a forma como João
Ferreira se apressou a cortar os últimos livres a favor do Benfica, também.
Adiante, porém.
O que aqui está em causa é que o Benfica não ganhou o jogo
porque não o soube ganhar, porque uma vez mais abordou o jogo de forma
completamente errada.
Porque uma vez mais entrou estranhamente bloqueado,
desconcentrado, sofrendo 2 golos absolutamente imperdoáveis num jogo desta
importância.
Pergunto-me se será normal que nos últimos 3 jogos na Luz contra
o Porto para o campeonato, antes dos 15 minutos já estejamos a perder.
Pergunto-me se será normal que a nossa equipa apareça
sempre mentalmente condicionada contra o Porto, parecendo manietada, apática.
Pergunto-me se será normal que em 3 épocas, os nossos
guarda-redes tenham oferecido 3 vistosos brindes aos avançados do Porto, oferecendo
avanço de bandeja.
Numa perspectiva mais lata, pergunto-me se sou só eu a
achar que há qualquer coisa de errado, quando as nossas várias equipas das
diferentes modalidades não conseguem definitivamente encarar o Porto de forma
descomplexada: o andebol perdeu recentemente um jogo nos 2 últimos segundos, o
hóquei fez o que se viu recentemente no pavilhão da Luz e a equipa de futebol
perdeu de forma inglória a possibilidade de deixar o Porto para trás.
Serão eles super-heróis, seres fantásticos, dotados de
super-poderes, com 3 cabeças, 8 braços ou 5 pernas?
Serão eles simplesmente melhores que nós?
Não creio. Penso antes que tudo passa por uma questão de
concentração competitiva e de, uma vez por todas, encarar estes jogos da forma
como eles têm que ser encarados: com seriedade, rigor, profissionalismo,
disponibilidade, garra, esperteza, sagacidade e inteligência.
Alguém viu tudo isto posto em campo pela nossa equipa no
domingo passado?
É pois, tempo de reflectirmos um pouco, antes de metermos
tudo no mesmo saco.
Ao fazê-lo e indo pelo caminho mais fácil, estamos até a
atraiçoar o esforço, o brilhantismo, a garra, a verdadeira mística com que algumas
equipas nossas derrotaram a Besta em circunstâncias muito mais complicadas: uma
final da Taça jogada nas Antas e ganha com um golão de Carlos Manuel contra
tudo e contra todos; a tarde mágica de César Brito e companheiros num ambiente
de verdadeiro terror; a última Taça de Portugal ganha contra o Porto de
Mourinho; mais recentemente a vitória do basquetebol em pleno antro tripeiro.
Há um determinado paradigma que tem de mudar: o Benfica
servil, medroso, tremeliquento, hesitante e trapalhão definitivamente tem que
dar lugar a um Benfica forte, mandão, orgulhoso, categórico.
Um Benfica que meta o pé, a mão, o stick, a cabeça com
mais decisão, garra, força, determinação: em que a nossa vontade de vencer
suplante o ódio com que nos honram.
Acabará inexoravelmente nesse preciso dia o domínio da
Besta e mesmo todos os Proenças desta vida se tornarão inúteis, indo
directamente para o caixote de lixo da história.