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Neste blog por vezes escreve-se segundo a nova ortografia, outras vezes nem por isso.


terça-feira, 7 de agosto de 2012

O OUTRO LADO DO DESPORTO


Estamos a assistir a uns Jogos Olímpicos de excelente qualidade. Não só pelas belas imagens proporcionadas pela televisão, mas especialmente pelos resultados e marcas dos atletas em permanente superação.

Em Portugal, como habitualmente, ficamos admirados com a nossa dificuldade em chegar perto dos lugares cimeiros. Olhamos para o medalheiro, vemos a imensidão de países já contemplados e temos dificuldade em perceber como é que um país que julga pertencer ao primeiro Mundo, não consegue sequer figurar no fim da lista.

Até ao fim dos jogos, na canoagem ou no atletismo, irá provavelmente aparecer a medalha da ordem que impedirá de fazermos uma reflexão séria e necessária sobre a política desportiva do país. Um país que transformou o futebol no desporto eucalipto, cujo governo considera que a educação física nas escolas não é nada importante e que deixa o desporto escolar, que até teve algum desenvolvimento nos últimos anos, a amargurar e preso pelo ténue fio da carolice de alguns professores.

A visão romântica do desporto, difundida até à exaustão pela comunicação social vai de encontro à forma de estar da nossa atual sociedade. Em que o “fazer” é diminuído face ao “ser” ou ao “aparecer”. Onde o trabalho não está ligado directamente ao sucesso ou vice-versa.

No desporto de alta competição, aquele que estamos a ver nestes jogos, os resultados não caiem do céu e não são fruto de um pedidos mais ou menos intensos a alguma divindade ou de inspiração momentânea fruto de génio inato. A focalização na atividade é levada ao extremo, vai de mãos dadas com a ciência e tem como suporte o trabalho. Pouca gente em Portugal está preparada para isso. Seja qual for a estrutura, pública ou associativa.

Em junho de 2011 saiu no público este artigo de Paulo Moura. Pouco foi divulgado e comentado. Em qualquer país com algum sentido crítico tinha dado água pela barba, mas no nosso Portugalzinho passou completamente despercebido.

É das mais espantosas narrações do que é o desporto de alta competição neste início de século. A história de Vanessa Fernandes é exemplar a todos os níveis e permite uma variedade de ensinamentos que abrange várias áreas. Realço estes excertos, mas o artigo é tão rico que a sua leitura integral é obrigatória.
“A vida no CAR era obses­siva. Treinava-se desde as 6 da manhã até às 8 da noite, todos os dias. Não havia mais nada. Tudo era orga­ni­zado em função dos treinos, dos cinco treinos diários. Todos os atle­tas dormiam em quar­tos dup­los, exceto Vanessa, que tinha um só para si. Mas era um cubículo claus­trofóbico. Depois do jan­tar, Vanessa ia ter com os cole­gas, que se reu­niam no quarto de um deles, para con­ver­sar. Mas os temas não eram muito vari­a­dos. “Falá­va­mos sobre tri­atlo”, conta o tri­atleta Bruno Pais, que esteve inter­nado no CAR entre 2000 e 2007, e hoje, aos 29 anos, vive na sua própria casa, com a mul­her e a filha, perto do Cen­tro. “O que fazíamos era comer, dormir e treinar todos os dias. Não íamos ao cin­ema nem sair à noite. Por isso os nos­sos temas de con­versa eram os treinos, os tem­pos que fize­mos, as reações do treinador”.
Aos fins-de-semana, alguns iam a casa, mas lev­avam um pro­grama de treino rígido para cumprir. Na alta-competição não há dias de folga. “Desde que foi para Lis­boa, ela ficou difer­ente”, diz Vânia, a irmã de Vanessa. “Não que­ria saber de nada além daquilo. Não se inter­es­sava por nada, não que­ria sair à noite, não ouvia música”.
(…) Com estas car­ac­terís­ti­cas, em 2006, aos 21 anos, Vanessa gan­hara mais medal­has do que qual­quer outra atleta da sua idade. Quando chegava a uma prova, todos esper­avam que gan­hasse, e isso fez nascer nela um sen­tido de respon­s­abil­i­dade. Não podia perder. E não per­dia. Mas a pressão foi crescendo. Tinha à sua volta os jor­nal­is­tas, os patroci­nadores, os treinadores, a família, o país inteiro. Ela não podia decep­cionar. Era pre­ciso fazer mais. Havia o Campe­onato do Mundo, os Jogos Olímpi­cos. Os objec­tivos eram cada vez mais ambi­ciosos, desmesura­dos. Era pre­ciso ser a mel­hor do mundo.
Vanessa superava-se. Estava cada vez mais em forma, cada vez mais ráp­ida, cada vez mais magra. E adoe­ceu. “Eles pre­cisam das medal­has, por isso não recon­hecem que uma pes­soa está doente”, diz Maria Are­osa. “Ela era a gal­inha dos ovos de ouro”.

A história de Vanessa, como a de Pedro Mantorras, deviam ser dadas a conhecer a todos os jovens atletas. A competição distanciou-se de tal forma da prática desportiva como recreação e cultura, que nem sequer são primos afastados.  

Outro facto relevante, para nós benfiquistas, é a ausência do clube em toda a narrativa. Este facto é revelador do apoio que é dado ao propagado projeto Olímpico. Que apoio teve a Vanessa do Benfica para além do vencimento ao fim do mês? Sei que teve bastante da pessoa que está à frente desse projeto no clube. Que não fez mais e melhor porque não podia, nem lhe deram condições para tal.

No fundo o projeto resume-se a uma só pessoa, que tem uma capacidade de trabalho enorme e uma paixão impar pelo Benfica e pelo desporto. Não há nenhuma equipa interdisciplinar, nem médicos, psicólogos ou outros técnicos que acompanhem permanentemente os atletas. Quando há vitórias aparecem muitos para a fotografia, quando não há, fica só a solidão de quem trabalhou.  

No entanto, sejamos justos estamos longe da situação ridícula em que se colocou o presidente do Sporting quando se vangloriou pelos resultados do remo, mas este vizinho caricato, não deve impedir de sermos exigentes connosco. Não nos podemos comparar. Temos de fazer muito mais. Somos o Benfica. 


JL








1 comentário:

  1. Pertinente, oportuno e excelente post.
    Quanto ao artigo é absolutamente esmagador e não é por acaso que não saiu da penumbra: não há inocentes nesta história em que só Vanessa perdeu.
    Quanto ao Benfica, o que fez e o que está a fazer, de facto,por Vanessa?
    Onde estão todos os que apareceram há 4 anos para as inevitáveis fotos?

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