Isto das longas viagens de carro
em dia de Natal tem destas coisas, para além de um trânsito esquisito, a
programação da rádio é completamente fora da normalidade. São balanços de tudo
e mais alguma coisa, os acontecimentos mais marcantes, as personalidades, as
listas dos melhores discos, filmes, livros, Mandela, Francisco, etc, etc… Estamos
na época das listas e dos balanços. Nada contra, antes pelo contrário.
Há duas ou três semanas no
Expresso, Pedro Mexia destacou as listas e o desejo indomável em elaborá-las.
Apesar hierarquizantes, conformistas e mercantis, realçou a título de
exemplo que as mesmas estão presentes nas obras de Homero, Proust, Umberto Eco e
outros ilustres. E até na Bíblia foi buscar exemplares. Também eu, muito menos
ilustre, gosto das listas e acho que fazer o balanço do ano é fazer uma lista,
hierarquizar acontecimentos, dar-lhes outras leituras e utilizá-las como sinais
para o futuro. Vamos então a isso.
Claro que fazer o balanço do ano
leva-me obviamente ao Benfica. A este propósito o ano 2013 foi inesquecível, entusiasmante
e traumático. Tem uma carga contraditória esta alocução? Há uma frase do Whitman
que nunca esqueço “Sou contraditório, sou imenso. Há multidões dentro de mim.”
O Benfica é imenso, claro está. A sua grandeza e importância social e cultural
ultrapassam a dimensão resultadista do futebol. Mas o futebol continua a ser o
pilar, até por ser a origem da maior criação portuguesa do seculo XX.
De qualquer forma, a nível futebolístico
o ano que passou foi de facto de uma intensidade invulgar, por isso
inesquecível a todos os níveis. Sendo entusiasmante, semana após semana, foi bastante
traumático no final da época passada. O jogo improvável com o Estoril em casa,
o Jorge Jesus de joelhos nas Antas perante a inevitabilidade do destino, os
jogadores em lágrimas na Arena de Amesterdão, o fim de tarde negro no Jamor.
Isto tudo em três semanas. Tudo isto vivido com muita intensidade, demasiada
intensidade.
Bastariam então estas três
semanas para dizer que o Benfica teve um ano “não”? Ou resvalar para o latim “Non”
e relembrar as magnificas palavras de Padre António Vieira: “Terrível palavra é
um non. Não tem direito, nem avesso; por qualquer lado que a tomeis,
sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o
princípio, sempre é non.” Estou como o Lobo Antunes (muito boa
entrevista esta semana na Visão): “estou cheio de citações, pareço um cigano a mostrar
o ouro falso dos anéis”.
Porque o “non” é mais que um "não"
tenho de continuar a citar: “Quando a vara de Moisés se converteu naquela
serpente tão feroz, que fugia dela por que o não mordesse, disse-lhe Deus que a
tomasse ao revés, e logo perdeu a figura, a ferocidade e a peçonha. O non
não é assim: por qualquer parte que o tomeis, sempre é serpente, sempre morde,
sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança, que é o último
remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há correctivo que o modere,
nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que confeiteis um
não, sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o
doureis, sempre é de feno. “
Non
é portanto ambíguo e privado de esperança, não tem fim. O Benfica, eterno como
amor de Pessoa, nunca será privado de esperança. Não teve certamente o seu Non,
nem o ano foi totalmente negativo, apesar de momentos muito dolorosos. Ano de
terríveis derrotas (porque em grandes batalhas) foi também ano de glórias e de
acontecimentos marcantes a nível associativo. E não estou a aludir à vitória
coreana de Luís Filipe Vieira e do deserto que é a oposição e o que isso
significa num clube cuja génese é democrática e que muito sofreu por isso nas
mãos do Estado Novo. Estou a referir-me a três momentos que ficam gravados na
nossa história, três marcas de uma enorme relevância e que são mais três
alicerces na nossa grandeza, a saber:
A FINAL DE AMESTERDÃO – Em vida, foi a
quarta final europeia onde vi o Benfica estar presente. A segunda a que
assistia o vivo. O Benfica que já participou em 12 finais europeias, apenas
ganhou 3. Apesar desta atracção pelo insucesso em momentos decisivos, o Benfica
é o 6º clube de sempre no ranking da UEFA.
O Benfica não ia a uma final
europeia há mais de 20 anos. Esta presença é tão mais relevante porque os
factos não mostram um sucesso pontual. Somos o clube europeu com mais jogos
disputados em competições europeias nos últimos 10 anos, para quem esteve fora
da UEFA há precisamente uma década atrás e sofre de uma política desportiva
errante, não é nada a mau – 119 jogos e 63 na LE e 56 na LC. Muito peso da Liga Europa nestes números?
Claro, é assim que está o futebol no continente, extremamente elitizado. Não podemos
sequer pensar em competir com os grandes clubes de Espanha, Inglaterra, Alemanha
e provavelmente alguns da Rússia, Itália e da França.
A TAÇA DOS CAMPEÕES EUROPEUS
DE HÓQUEI EM PATINS – O Benfica é o clube que há mais anos prática hóquei
em patins de forma ininterrupta, há precisamente 98 anos. É o clube nacional
com mais títulos oficiais (105) e tinha até ao ano passado vencido duas taças CERS
e uma taça continental. Faltava-lhe a taça dos campeões europeus, que até já tinha
sido ganha por outros clubes nacionais com menos palmarés. Neste campo,
estava-se a assistir uma maldição tipo Bela Guttmann, porque já íamos na quinta
final perdida.
Com esta conquista, o Benfica já
foi campeão europeu em quatro modalidades: Futebol (2 vezes), Futsal (1 vez), Atletismo
(5 vezes) e Hóquei em Patins. Quantos podem dizer o mesmo?
A INAUGURAÇÃO DO MUSEU – No
início do seculo passado, o Carcavellos era uma equipa formada por ingleses que
trabalhavam na construção do cabo submarino. Era uma equipa muito mais forte
que as portuguesas e quem os defrontava ansiava apenas não ser goleado. Até ao dia
10 de Fevereiro de 1907 em que uma equipa formada exclusivamente por jogadores portugueses
os venceu por 2-1. Devido aos resquícios do ultimato de 1890, ainda havia na sociedade portuguesa uma certa animosidade contra
os ingleses, daí a importância desta vitória. A partir desta data o
Clube fundado em 28 de Fevereiro de 1904 começou
a ser apelidado como o Glorioso, ou seja, na década de 10 do seculo
passado já eramos o Glorioso, clube pobre mas Glorioso.
Nos anos 30 o Benfica já era,
reconhecidamente, o maior clube português. O que tinha mais troféus
conquistados. Passados 109 anos de conquistas inigualáveis, sendo o clube mais
vitorioso, com mais títulos e trofeus em diversas modalidades, o clube mais ecléctico,
com mais tradição, mais popular, finalmente deixou de andar com as taças às costas.
E muitas se perderam nas diversas mudanças que fomos obrigados a fazer pelo
regime anterior. Por tudo isto a inauguração do museu, pela sua dimensão e pelo
significado que encerra, foi um dos momentos do ano.
Sinceramente, parece-me que 2014
não vai ser tão entusiasmante e em 2013 marcou-me tanto o povo em Amesterdão e a
alegria da comunhão em redor de um emblema, como o final de tarde dramático no Jamor.
O futuro dirá o que fica para a eternidade, porque como alguém já disse: “o passado
é tao imprevisível”.
JL
Grande texto, amigo JL
ResponderEliminar"O Benfica que já participou em 12 finais europeias, apenas ganhou 3"? Qual é a terceira?
ResponderEliminarUma taça latina, duas taças dos clubes campeões europeus.
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