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Neste blog por vezes escreve-se segundo a nova ortografia, outras vezes nem por isso.


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

NON OU O BALANÇO DE UM ANO INESQUECÍVEL



Isto das longas viagens de carro em dia de Natal tem destas coisas, para além de um trânsito esquisito, a programação da rádio é completamente fora da normalidade. São balanços de tudo e mais alguma coisa, os acontecimentos mais marcantes, as personalidades, as listas dos melhores discos, filmes, livros, Mandela, Francisco, etc, etc… Estamos na época das listas e dos balanços. Nada contra, antes pelo contrário.

Há duas ou três semanas no Expresso, Pedro Mexia destacou as listas e o desejo indomável em elaborá-las. Apesar hierarquizantes, conformistas e mercantis, realçou a título de exemplo que as mesmas estão presentes nas obras de Homero, Proust, Umberto Eco e outros ilustres. E até na Bíblia foi buscar exemplares. Também eu, muito menos ilustre, gosto das listas e acho que fazer o balanço do ano é fazer uma lista, hierarquizar acontecimentos, dar-lhes outras leituras e utilizá-las como sinais para o futuro. Vamos então a isso. 

Claro que fazer o balanço do ano leva-me obviamente ao Benfica. A este propósito o ano 2013 foi inesquecível, entusiasmante e traumático. Tem uma carga contraditória esta alocução? Há uma frase do Whitman que nunca esqueço “Sou contraditório, sou imenso. Há multidões dentro de mim.” O Benfica é imenso, claro está. A sua grandeza e importância social e cultural ultrapassam a dimensão resultadista do futebol. Mas o futebol continua a ser o pilar, até por ser a origem da maior criação portuguesa do seculo XX. 

De qualquer forma, a nível futebolístico o ano que passou foi de facto de uma intensidade invulgar, por isso inesquecível a todos os níveis. Sendo entusiasmante, semana após semana, foi bastante traumático no final da época passada. O jogo improvável com o Estoril em casa, o Jorge Jesus de joelhos nas Antas perante a inevitabilidade do destino, os jogadores em lágrimas na Arena de Amesterdão, o fim de tarde negro no Jamor. Isto tudo em três semanas. Tudo isto vivido com muita intensidade, demasiada intensidade. 

Bastariam então estas três semanas para dizer que o Benfica teve um ano “não”? Ou resvalar para o latim “Non” e relembrar as magnificas palavras de Padre António Vieira: “Terrível palavra é um non. Não tem direito, nem avesso; por qualquer lado que a tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, sempre é non.” Estou como o Lobo Antunes (muito boa entrevista esta semana na Visão): “estou cheio de citações, pareço um cigano a mostrar o ouro falso dos anéis”. 

Porque o “non” é mais que um "não" tenho de continuar a citar: “Quando a vara de Moisés se converteu naquela serpente tão feroz, que fugia dela por que o não mordesse, disse-lhe Deus que a tomasse ao revés, e logo perdeu a figura, a ferocidade e a peçonha. O non não é assim: por qualquer parte que o tomeis, sempre é serpen­te, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança, que é o último remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há correctivo que o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que confeiteis um não, sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doureis, sempre é de feno. “

Non é portanto ambíguo e privado de esperança, não tem fim. O Benfica, eterno como amor de Pessoa, nunca será privado de esperança. Não teve certamente o seu Non, nem o ano foi totalmente negativo, apesar de momentos muito dolorosos. Ano de terríveis derrotas (porque em grandes batalhas) foi também ano de glórias e de acontecimentos marcantes a nível associativo. E não estou a aludir à vitória coreana de Luís Filipe Vieira e do deserto que é a oposição e o que isso significa num clube cuja génese é democrática e que muito sofreu por isso nas mãos do Estado Novo. Estou a referir-me a três momentos que ficam gravados na nossa história, três marcas de uma enorme relevância e que são mais três alicerces na nossa grandeza, a saber:

 A FINAL DE AMESTERDÃO – Em vida, foi a quarta final europeia onde vi o Benfica estar presente. A segunda a que assistia o vivo. O Benfica que já participou em 12 finais europeias, apenas ganhou 3. Apesar desta atracção pelo insucesso em momentos decisivos, o Benfica é o 6º clube de sempre no ranking da UEFA. 

O Benfica não ia a uma final europeia há mais de 20 anos. Esta presença é tão mais relevante porque os factos não mostram um sucesso pontual. Somos o clube europeu com mais jogos disputados em competições europeias nos últimos 10 anos, para quem esteve fora da UEFA há precisamente uma década atrás e sofre de uma política desportiva errante, não é nada a mau – 119 jogos e 63 na LE e 56 na LC.  Muito peso da Liga Europa nestes números? Claro, é assim que está o futebol no continente, extremamente elitizado. Não podemos sequer pensar em competir com os grandes clubes de Espanha, Inglaterra, Alemanha e provavelmente alguns da Rússia, Itália e da França.  

A TAÇA DOS CAMPEÕES EUROPEUS DE HÓQUEI EM PATINS – O Benfica é o clube que há mais anos prática hóquei em patins de forma ininterrupta, há precisamente 98 anos. É o clube nacional com mais títulos oficiais (105) e tinha até ao ano passado vencido duas taças CERS e uma taça continental. Faltava-lhe a taça dos campeões europeus, que até já tinha sido ganha por outros clubes nacionais com menos palmarés. Neste campo, estava-se a assistir uma maldição tipo Bela Guttmann, porque já íamos na quinta final perdida. 

Com esta conquista, o Benfica já foi campeão europeu em quatro modalidades: Futebol (2 vezes), Futsal (1 vez), Atletismo (5 vezes) e Hóquei em Patins. Quantos podem dizer o mesmo?   

A INAUGURAÇÃO DO MUSEU – No início do seculo passado, o Carcavellos era uma equipa formada por ingleses que trabalhavam na construção do cabo submarino. Era uma equipa muito mais forte que as portuguesas e quem os defrontava ansiava apenas não ser goleado. Até ao dia 10 de Fevereiro de 1907 em que uma equipa formada exclusivamente por jogadores portugueses os venceu por 2-1. Devido aos resquícios do ultimato de 1890, ainda havia na sociedade portuguesa uma certa animosidade contra os ingleses, daí a importância desta vitória. A partir desta data o Clube fundado em 28 de Fevereiro de 1904 começou a ser apelidado como o Glorioso, ou seja, na década de 10 do seculo passado já eramos o Glorioso, clube pobre mas Glorioso.

Nos anos 30 o Benfica já era, reconhecidamente, o maior clube português. O que tinha mais troféus conquistados. Passados 109 anos de conquistas inigualáveis, sendo o clube mais vitorioso, com mais títulos e trofeus em diversas modalidades, o clube mais ecléctico, com mais tradição, mais popular, finalmente deixou de andar com as taças às costas. E muitas se perderam nas diversas mudanças que fomos obrigados a fazer pelo regime anterior. Por tudo isto a inauguração do museu, pela sua dimensão e pelo significado que encerra, foi um dos momentos do ano.  

Sinceramente, parece-me que 2014 não vai ser tão entusiasmante e em 2013 marcou-me tanto o povo em Amesterdão e a alegria da comunhão em redor de um emblema, como o final de tarde dramático no Jamor. O futuro dirá o que fica para a eternidade, porque como alguém já disse: “o passado é tao imprevisível”. 



JL

3 comentários:

  1. "O Benfica que já participou em 12 finais europeias, apenas ganhou 3"? Qual é a terceira?

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  2. Uma taça latina, duas taças dos clubes campeões europeus.

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