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Neste blog por vezes escreve-se segundo a nova ortografia, outras vezes nem por isso.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

UMA TARDE DE GLÓRIA (II)


Era assim o futebol das tardes invariavelmente iguais.
Felizes: o Benfica ganhava sempre
(ou pelo menos é assim que eu me lembro)

Os locutores da rádio eram homens conhecedores, de ar grave e linguagem séria que emprestavam solenidade ao momento: o relato do jogo era uma espécie de liturgia seguida com respeito e admiração.

O cimento da bancada pressentia-se apenas, sob um povo imenso, esmagador, arrebatado por onze diabos vermelhos que só sabiam ganhar
(ou pelo menos é assim que eu me lembro)

As escadas estavam apinhadas de povo de cabeça coberta por chapéus à chinês, em cartão barato.
Ou isso ou o estádio vestido de negro por milhares de chapéus-de-chuva em tardes de chuva inclemente só suplantada pela chuva de golos que o Néné marcava
(ou pelo menos é assim que eu me lembro)

E também havia gente empoleirada no mítico marcador do Totobola, ou nas mais imponentes torres de iluminação que eu já vi na minha vida.

Era assim a Luz: uma enxurrada de povo ávido de Benfica, de tardes de futebol, de sol e chuva, de relatos estridentes gritados respeitosamente por homens conhecedores de ar grave e linguagem séria.

Temos agora outro estádio, de moderno e confortável  ambiente asséptico.
O cimento frio, duro mas socialista deu lugar a cadeiras individuais, numeradas, não transmissíveis.
Stewards rigorosos impedem ajuntamentos nas escadas.
As imponentes  e mágicas torres de iluminação deram lugar a modernos projectores na cobertura do Estádio.
Os homens conhecedores de ar grave e linguagem séria deram lugar a dezenas de galinhas doidas que empestam as frequências de brasileirismos, de anti-benfiquismo odioso e imbecil, ou de coisas complicadas como basculação ofensiva, diagonais, losangos invertidos ou árbitros-assistentes.

Quase tudo mudou, é verdade, mas se nada falhar, juro que, pelo menos durante hora e meia, vou voltar às grandes tardes da minha juventude quando o Estádio da Luz era o local onde reencontrávamos semanalmente a felicidade e o Benfica ganhava sempre
(ou pelo menos é assim que eu me lembro)



RC









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