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Neste blog por vezes escreve-se segundo a nova ortografia, outras vezes nem por isso.


quinta-feira, 20 de junho de 2013

O CASACO DE CABEDAL

No bairro onde cresci, bem no centro de Lisboa, penso que ainda existe uma loja de pronto-a-vestir, termo agora em desuso. A existir tem pelo menos a minha idade, porque não me lembro da sua falta. Como distante estava uma Lisboa capilarizada com as marcas da Inditex, a referida loja ganhava uma importância desmesurada mesmo para quem estava a cinco minutos a pé do Rossio e do Chiado. Qual aldeia urbana, ali se fazia as compras na entrada das estações, numa cadência relojoeira.  
Recordo que na época o nosso conceito de centro comercial resumia-se ao grandioso Imáviz ou ao mais modesto mas bem equipado Apolo 70. Mais longe do centro apareceu o gigantesco CC Portela, apenas visitado na companhia dos progenitores e ao fim-de-semana.
Voltando á loja, o pequeno empresário lá ia alterando a montra conforme as necessidades provocadas pelo calendário. Talvez seja uma lembrança confortável, mas tenho para mim que as coisas na altura estavam mais bem definidos e no Verão fazia mesmo calor e no inverno mesmo frio e chuva.
A propósito de Inverno, ficou para a colecção de lendas juvenis da freguesia um famoso casaco de cabedal que anualmente era exposto na dita montra. Todos os anos, no início de Outubro, o casaco, castanho-escuro, de linhas clássicas e sem grandes inovações, era lá colocado. Mudava de sítio, trocava de conjunto, o preço era colocado em cores e tamanhos diferentes. A mudança não era só anual. Chegava ao fim de Dezembro, início de Janeiro, e o casaco deixava o manequim da esquerda que tinha umas calças azuis e uma camisa às riscas e ia descansar ao lado ao oposto, ao manequim mais friorento, com o pullover de bico e calças de bombazine.
Ao princípio pensávamos que o casaco era outro, mas de tanto passarmos à porta, começamos a conhecer tão bem a peça, como conhecíamos as bordas dos passeios onde se realizavam os mais emocionantes grandes prémios do Mundo. Não havia dúvidas, era sempre o mesmo casaco.
Por vezes víamos um cliente a experimentá-lo e com o hábito até parávamos o jogo da bola para aguardar o desfecho da negociação, que invariavelmente terminava com um abanar a cabeça do promissor comprador perante a irredutibilidade do lojista em baixar o preço. Para nós, bando de pardais à solta, sempre foi um mistério esta contradição viva à lei da oferta e da procura.
E tenho a certeza, que agora todos nós, já adultos, quando passamos na referida loja e não vemos exposto o famoso casaco, apostaríamos sem medo que ele nunca foi vendido e que repousa no armário do dito lojista, sendo usado a miúde nos dias mais friorentos.
Lembro-me sempre desta história cada vez que leio uma notícia sobre o interesse de um clube no Nicolas Gaitan.
JL

2 comentários:

  1. Nico Gaitán ????
    Esperem lá, não era este rapaz que nos idos de Fevereiro/Março quase provocava uma guerra entre os clubes de Manchester ?

    Brilhante post.
    E lá teremos que levar com este casaco de cabedal um ano mais.

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  2. O grande problema desse casaco de cabedal nem era o estar sempre exposto e nunca ser vendido.

    Era não ser muito bom agasalho...

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