Treze épocas no Benfica, 5 Campeonatos Nacionais, 7 Taças
de Portugal, 2 Taças dos Campeões Europeus, 5 vezes melhor marcador do Campeonato,
377 golos.
Capitão, goleador e
exemplo de liderança e Benfiquismo.
Obrigado por tudo, Senhor José Águas!
RC
O SENHOR ÁGUAS por António
Lobo Antunes
Há mais de
trinta anos que não assisto a um jogo de futebol. Não conheço os estádios
novos, vejo, às vezes, um bocadinho na televisão. Mas entre os dez e os vinte
anos não falhava um jogo do Benfica. E não falhei enquanto Águas jogou. Claro
que não era apenas Águas: era Costa Pereira, Germano, Ângelo, Simões, Eusébio,
Cavém, o grande Mário Esteves Coluna que Otto Glória considerava o melhor
jogador português, outros mais artistas que jogadores, como José Augusto, por
exemplo, a todos estou grato pela beleza e a alegria que me deram, porém nunca
admirei tanto um atleta como admirei José Águas. Para quê, portanto, ir ao
futebol se ele já não se encontra no estádio? Era a elegância, a inteligência,
a integridade, o talento, e ao pensar em escrever o meu desejo era ser o Águas
da literatura. Vi Pelé, Didi, Nilton Santos, Puskas, Di Stefano, Santamaria,
tantos outros génios, no tempo em que o futebol não era ainda uma indústria nem
os jogadores funcionários competentes, comandados por esse horror a que chamam
técnicos: era pura criação, uma actividade eufórica, uma magia cinzelada, uma
nascente de prazer, uma inspiração, um entusiasmo. Águas foi tudo isso e, muito
novo, ganhou o respeito dos colegas, dos adversários, dos jornalistas da época,
que os havia de grande qualidade, Carlos Pinhão, Carlos Miranda, Aurélio
Márcio, Homero Serpa, tantos outros. Não jogava futebol: criava futebol,
respirava futebol, inventava futebol, e teria sido um privilégio para mim
conhecê-lo. Não para falar com ele, para o ouvir. A sua beleza física invulgar
distinguia-o de todos os outros, a forma de se mover em campo era única, a
autoridade sobre os companheiros natural e humilde. Os miúdos que iam comigo à
bola chamavam-lhe senhor Águas, sem sonharem que era desse modo que Simões e Eusébio
o tratavam, como tratavam Coluna. Senhor Águas, senhor Coluna. Reconhecíamo-lo,
do alto do terceiro anel, no estádio de então, onde, de tão longe, os jogadores
minúsculos, pelo modo de correr, se deslocar no campo, passar, rematar,
reconhecíamo-lo pelos seus golpes de cabeça, inimitáveis, pelo sentido da
ocupação do espaço, pela simplificada geometria do seu futebol. Não tinha a
garra de Ângelo ou Cavém, a força de Coluna, o gigantesco talento de Eusébio, o
poder do drible de Simões, a velocidade de José Augusto: era uma espécie de rei
sereno e eficaz, um aristocrata perfeito. Até a andar os olhos ficavam presos
nele, na harmonia dos gestos, no modo de ajeitar bola, e eu, criança de dez
anos ou adolescente de quinze, pensava tenho de trabalhar mais esta página,
ainda não chego aos calcanhares de José Águas. Escrever como ele jogava, com a
mesma subtileza e a mesma eficácia. Escrever como a equipa do Benfica, umas
vezes à Ângelo, outras à Germano, outras à Coluna, e finalizar à Águas. Nunca
deve ter ouvido falar em mim nem podia adivinhar que um garoto qualquer o
tomava não apenas como mestre de futebol mas como mestre de escrita. Só, mais
tarde, certos saxofonistas de jazz, Bird, Coltrane, Webster, Coleman, Hodges,
alguns mais, tiveram, sobre o meu trabalho, influência semelhante. Mas Águas
foi o meu primeiro e indisputado professor: escreve como ele joga, meu
estúpido, aprende a escrever como ele jogava. Como morava em Benfica via-o, às
vezes, no autocarro do clube e ficava, pasmado de admiração, a fitá-lo. Isto
lembra-me o meu irmão Nuno chegando a casa de dedo no ar
-
Toquei no Eusébio, toquei no Eusébio
como
provavelmente, eu o faria, porque na infância e na adolescência o futebol era,
para além de uma aprendizagem do mundo, um prazer infinito. A cor dos
equipamentos
(o
meu amigo Artur Semedo:
-
Não sou um homem às riscas, sou homem de uma cor só)
a
entrada em campo, o hino, tudo isto me exaltava e fazia feliz. E as vitórias,
comemoradas em Benfica com bebedeiras eufóricas. Uma das minhas glórias
secretas, confesso-o agora, consiste em ter visto a fotografia do meu pai no
balneário do hóquei em patins do Benfica, de ele ter estado no Campeonato da
Europa de 1936, em Estugarda, com vinte ou vinte e um anos, e de brincarmos com
uma caixa de lata cheia de medalhas, a que o meu pai não dava importância
alguma e eu considerava inestimáveis. Há pouco, a minha mãe
-
O que faço eu a isto?
exibindo-me
uma espécie de troféu ou de placas num estojo, que alguns anos antes de morrer
a Federação de Patinagem lhe entregou, juntamente com outras antigas glórias, e
que me recordo de o meu pai, que não saía, ir receber com satisfação secreta.
Mas, claro, eu era só filho do Lobo Antunes, não era filho do Águas, e ainda
sei medir as distâncias. Portanto, o que vou eu fazer a um campo de futebol se
ele já não joga? Seguir os funcionários competentes de um negócio? Assistir ao
bailado dos técnicos? Ver a fantasia substituída pela sofreguidão, a ambição
pela avidez, o amor ao clube pela violência idiota? Claro que continuo a querer
que o Benfica ganhe. Claro que sou, como em tudo o resto, parcial, sectário,
por vezes sem bom senso algum. Mas há séculos que não sofro com as derrotas e,
sobretudo, não choro lágrimas sinceras com elas: estou-me nas tintas. Contudo
voltaria a trotar, radiante, para assistir à entrada em campo de Costa Pereira,
Mário João, Germano, Ângelo, Cavém, Cruz, José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna
e Simões, a agradecer-lhes o facto de me terem, durante anos e anos, colorido a
existência. E talvez no fim do jogo, postado junto ao autocarro, quando os
jogadores saíssem do balneário, o senhor Águas me apertasse a mão.
Sempre bom reler este texto...mas os jogadores passam e o clube fica, por muito grandes que esses jogadores sejam.
ResponderEliminarO Capitão dos Campeões!
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